sábado, 28 de março de 2009

A oração de uma palavra só

Pr Ed René Kivitz

As pessoas que convivem comigo dificilmente me descreveriam como um homem de oração. Mas peço licença a Paulo, apóstolo, para usar suas palavras em minha defesa –“Ninguém me considere insensato! Ou então suportai-me como insensato, a fim de que também eu me possa gloriar um pouco. O que vou dizer, não o direi conforme o Senhor, mas como insensato, certo que estou de ter motivo de me gloriar”.
Sou um daqueles denunciados por William James, que ora simplesmente porque não consegue evitar a oração. Minha vida de oração não se explica por outra razão senão o mais profundo desespero. Durante muito tempo carreguei a culpa de orar por razões diversas – a busca da santidade, o amor ao Senhor (o famoso e piedoso “buscar a Deus por quem Deus é”) ou mesmo aquela intercessão generosa, solidária e compassiva. Mas encontrei consolo nas palavras de Thomas Merton: “A oração é uma expressão de quem somos”.
A oração nunca me fez sentido. Para falar a verdade, ainda não faz. Também não consigo compreender a mecânica ou dinâmica processual da oração. Jamais consegui me ajoelhar aos pés de um deus deliberativo, que recebe as petições e súplicas das mãos do “anjo protocolador” e as despacha à luz de critérios misteriosos. Não consigo imaginar um deus pensando se responde ou não à súplica de uma mãe no corredor do hospital ou considerando se atende ou não ao clamor de uma comunidade que pede chuva.
Alguém deve imaginar que Deus ouve as orações, avalia a questão e depois dá ordens aos seus anjos conforme sua perfeita vontade: “Gabriel, faça com que aquele advogado desista da compra do apartamento, pois decidi que vou deixar que o casal que orou esta manhã feche o negócio”; ou “Miguel, dê um jeito de aquele menino esquecer o agasalho e ter que voltar para buscar, porque a mãe dele está orando e eu vou poupá-lo do acidente que está para acontecer na esquina da escola”. Se o leitor acredita que as coisas de fato acontecem desta maneira, nada contra. Não tenho qualquer argumento para afirmar que Deus não faça ou não possa atender orações desse tipo. Respeito seu ponto de vista, até porque não duvido que você tenha inúmeras histórias de orações cujas respostas de Deus o levam a acreditar que as coisas funcionam assim mesmo.
Quando comecei a pensar nessas coisas, minha experiência de oração mudou muito, e para melhor. Tudo começou quando Jesus me ensinou a invocar a Deus usando a expressão Abba. Os historiadores, Joachim Jeremias por exemplo, afirmam que abba era a palavra do dialeto siro-ocidental aramaico que uma criança usava para se referir ao seu pai. O Talmud, comentário rabínico da Torah, diz que “quando uma criança saboreia o trigo, aprende a dizer abba e imma”, querendo dizer que “papai” e “mamãe” são as primeiras palavras de um pequeno recém-desmamado que está aprendendo a falar. Na verdade, a melhor tradução para abba seria “papa” ou mesmo “pa”, algo como o mero balbuciar, assim como para imma, seria “mama” ou simplesmente “ma”.
O fato é que abba era um termo infantil, anterior à construção conceitual, despido de significados culturais, ainda não elaborados na mente, mas perfeitamente compreensível ao coração. A criança que pronuncia abba ou imma não detém qualquer conceito de pai ou mãe, não sabe o significado de expressões como pessoa, identidade, individualidade. Ignora o que é família, casal, irmão, irmã – quanto mais conceitos abstratos como sociedade ou comunidade. Tudo quanto uma criança que pronuncia abba sabe é que existe apenas um a quem se refere assim. Diante de muitos braços estendidos em sua direção, a criança identifica quem são seu abba e sua imma. É como se, intuitivamente, pensasse assim: “Esse é meu abba, essa é minha imma; posso ir no seu colo ou lançar-me em seus braços. Ali estou suprida e segura”.
Joachim Jeremias relata que Jesus se dirigia a Deus “como uma criancinha fala a seu pai, com mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante”. Jeremias considerou este Abba “ipsissima vox de Jesus”, isto é, maneira própria e original de falar do Filho de Deus. Os apóstolos assim compreenderam, e Paulo vai dizer mais tarde que o clamor Abba é ipsissima vox dos filhos de Deus, adotados na comunhão do Espírito Santo.
Muito provavelmente, Abba é a palavra com que Jesus invoca Deus Pai quando do seu brado final e triunfante do alto da cruz: “Abba, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Logo, a expressão da mais absoluta confiança está presente no momento da mais profunda solidão e senso de abandono e desamparo. Eis a fé, como disse Martin Buber, como “adesão a Deus”. Não a uma imagem de Deus, um conceito, uma idéia do divino. Mas uma adesão a Deus, uma adesão que transcende imagens, conceitos, idéias e também sensações e percepções. A fé como adesão a Deus tal qual a adesão de uma criança desmamada no colo de sua mãe: além, ou aquém, da consciência racional, que decodifica e disseca o Senhor como um cadáver sobre a mesa da academia.
Mas, ao mesmo tempo, trata-se de fé como adesão adulta, madura, capaz de transitar além, ou aquém, das sensações e percepções, ciente tão somente de que Deus está, Deus é, e que seus braços acolhem. A oração de uma palavra só, Abba, é pronunciada na mais tenra infância e na mais extrema maturidade. Entre os dois momentos da pronúncia do Abba está a prepotência de quem acredita compreender e manipular o Deus “que habita em luz inacessível”.
Diante do Abba, a oração deixa de ser um arrazoado inteligente, ou uma ladainha de murmurações e súplicas que serão depois catalogadas em colunas de “respondidas na data tal”. Diante do Abba, a oração é mais parecida com um suspiro, um gemido profundo, ou uma efusão de lágrimas; também é semelhante a um salto de alegria incontida, um literal derramar do coração. O Abba é aquele que transcende nossos dogmas, nossos sentidos e nossas manipulações. Mas é aquele que compreende e acolhe o que não dizemos pela simples razão de não sabermos o que dizer, ou como dizer. É aquele que recebe o peso dos nossos corações simultaneamente depositados aos pés da cruz e entregues em suas amorosas mãos, devolvendo ao aflito “a paz que excede a todo o entendimento”.
Caso lhe seja possível compreender a oração com um estar diante daquele a respeito de quem pouco ou quase nada sabemos, exceto que é nosso Abba; se a oração é para você expressar diante dele o que lhe pesa no coração, através de gemidos profundos e um singelo balbuciar Abba, num salto de fé que transporta para além das sensações, percepções e conceitos; ou caso considere que um simples suspiro balbuciando Abba implica a mais profunda e legítima oração, então não apenas você vai orar mais, muito mais, como também – e principalmente – nunca mais será a mesma pessoa.

P.S. Encontrei esse texto no blog Poimenia.

domingo, 22 de março de 2009

O Reino de Deus, Hoje


Meditando sobre o Reino de Deus estabelecido no meio dos homens, através de Jesus de Nazaré. Percebemos que esse Reino não foi abolido com a sua morte; como muitos da época esperavam que acontecesse. Claro que o pensamento deles só poderia ser tão pequeno, eles não conseguiam perceber a grandiosidade na qual esse Reino era formado! Era o próprio Deus querendo habitar no coração humano e, assim, Criador e criatura caminhando juntos em um relacionamento de cumplicidade e amizade.
Acredito, mesmo diante de uma realidade tão cruel e desumana, que o Reino de Deus se faz presente quando deixamos o nosso egoísmo e começamos a compartilhar a vida com o nosso próximo, tendo sempre o Reino como o alvo maior.
Parafraseando o apóstolo Paulo, em Colossenses 3.17, São João da Cruz (um frei espanhol, poeta e teólogo) nos fala de forma simples como podemos viver o Reino de Deus , no nosso cotidiano: "Em todas as coisas, grandes ou pequenas, permita que Deus seja o alvo."
E, conscientes do que o Seu Reino representa, podemos fazer a parte que nos cabe, que é a de acender a chama em nossos corações e deixar que ela contagie quem está por perto. E assim, em grandes ou pequenos gestos, o Reino de Deus vai ultrapassando os nossos limites.

Leny Brito

quinta-feira, 12 de março de 2009

Amizade Que Gera Felicidade

Estava a pensar sobre a amizade, não essa amizade de "faz de conta" na qual finjo que estou te ouvindo, e você a mim... Mas aquela que se doa, que embeleza, que escuta, que chora, que sorrir, que consola, que gasta o tempo... tempo? Lembrei que essa amizade é atemporal, o tempo não é obstáculo ou limite para que ela a cada dia siga o seu curso. É feliz quem encontra uma amizade assim.

Antoine de Saint-Exupèry, na sua obra clássica "O Pequeno Príncipe", fala de forma clara e poética como nasce essa amizade entre as pessoas. Isso, ele nos mostra no diálogo que acontece entre a raposa e o príncipe:

"E foi então que apareceu a raposa:
__Bom dia,disse a raposa.
__Bom dia,respondeu polidamente o principezinho,que se voltou,mas não viu nada.
Eu estou aqui,disse a voz,debaixo da macieira...
__Quem és tu?perguntou o principezinho.Tu és bem bonita...
__Sou uma raposa,disse a raposa.
__Vem brincar comigo,propôs o principezinho.Estou tão triste...
__Eu não posso brincar contigo,disse a raposa.Não me cativaram ainda.
__Ah!desculpa,disse o principezinho.Após uma reflexão,acrescentou:
__Que quer dizer "cativar"?
__Tu não és daqui,disse a raposa.Que procuras?
__Procuro os homens,disse o principezinho.Que quer dizer "cativar"?
__Os homens,disse a raposa,têm fuzis e caçam.É bemincômodo!Criam galinhas também.
É a única coisa interessante que eles fazem.Tu procuras galinhas?
__Não,disse o principezinho.Eu procuro amigos.Que quer dizer "cativar"?
__É uma coisa muito esquecida,disse a raposa.Significa "criar laços...".
__Criar laços?
__Exatamente,disse a raposa.Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual
a cem mil outros garotos.E eu não tenho necessidade de ti.E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas se tu me cativas,nós teremos necessidade um do outro.Serás para mim único no mundo.
E eu serei para ti única no mundo...
__Começo a compreender,disse o principezinho...Existe uma flor...eu creio que ela me cativou...
__É possível,disse a raposa.Vê-se tanta coisa na Terra...
__Oh!não foi na Terra,disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
__Num outro planeta?
__Sim.
__Há caçadores nesse planeta?
__Não.
__Que bom.E galinhas?
__Também não.
__Nada é perfeito,suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia:
__Minha vida é monótona.Eu caço galinhas e os homens me caçam.Todas as galinhas se parecem
e todos os homens se parecem também.E por isso me aborreço um pouco.Mas se tu me cativas,
minha vida será como que cheia de sol.Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra.O teu me chamará para fora da toca,como se fosse música.
E depois,olha!Vês lá longe,os campos de trigo?Eu não como pão.O trigo para mim é inútil.Os campos de
trigo não me lembram coisa alguma.E isso é triste!Mas tu tens cabelos cor de ouro.Então será maravilhoso
quando me tiveres cativado.O trigo,que é dourado,fará lembrar-me de ti.E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
__Por favor...cativa-me!disse ela.
__Bem quisera,disse o principezinho,mas eu não tenho muito tempo.Tenho amigos a descobrir e muitas coisas
a conhecer.
__A gente só conhece bem as coisas que cativou,disse a raposa.Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa
alguma.Compram tudo prontinho nas lojas.Mas como não existem lojas de amigos,os homens não têm mais
amigos.Se tu queres um amigo,cativa-me!
__Que é preciso fazer?perguntou o principezinho.
__É preciso ser paciente,respondeu a raposa.Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim,assim,na relva.Eu te olharei
para o canto do olho e tu não dirás nada.A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.Mas,cada dia,te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
__Teria sido melhor voltares à mesma hora,disse a raposa.Se tu vens,por exemplo,às quatro da tarde,desde às três eu começarei a ser feliz.Quanto mais a hora for chegando,mais eu me sentirei feliz.Às quatro horas então,estarei inquieta
e agitada:descobrirei o preço da felicidade!"


segunda-feira, 9 de março de 2009

Um anjo passou por aqui...

Todos os dias passamos por várias pessoas e, nesse corre corre, muitas vezes deixamos escapar aquele momento, que tem o poder de fazer com que paremos um pouco e repensemos a vida. Se nós fóssemos mais sinceros com nós mesmos e com a vida em si, perceberíamos o quanto somos pequenos e efêmeros diante da plenitude da vida. Quando nós atentarmos para o valor da vida, na sua singularidade, encontraremos verdadeiros tesouros em detalhes tão simples e singelos, como quem se garimpa uma jóia de raro valor.
As pessoas são como essas jóias raras. Nós só temos que focar a nossa visão para os pequenos detalhes, que talvez nos passam despercebidos, ou na realidade, não queremos mesmo percebê-los? Então... num belo dia nós acordamos e nos maravilhamos, quando lembramos de detalhes que estavam lá,presentes, fazendo a diferença. Mas, por que foi mesmo que nós não os percebemos? Será que muitas vezes não esquecemos das pequenas coisas... pequenos gestos...
Confesso que esses pensamentos têm tomado forma em mim, desde que conheci o Gabriel, nome de anjo, lembram? Um garoto que teve uma passagem tão rápida por aqui, viveu somente cinco anos. Tive o prazer em conhecê-lo, por causa das suas vindas à cidade para sessões de fisioterapia. Lembro do cuidado, carinho e paciência que seus pais tinham para com ele. Um afago, um sorriso para que ele soubesse que eles estavam lá, perto dele. Que ele era querido e amado.
E uma das coisas que me marcou, aliás que esse anjo de menino deixou marcada em minha vida, foi o seu sorriso. E, eu aprendi com essa criança que mesmo diante das nossas fragilidades, podemos esboçar sorrisos que se perpetuam na eternidade.
Uma coisa eu tenho certeza, de que valeu a sua pouca temporada em nosso meio. Foi como uma chuva de verão, rápida, mas que dá seus frutos. Com certeza seus pais saíram mais fortes, mesmo diante da dor da perda.... e, quanto a mim, fui encorajada a continuar vivendo a vida de forma mais simples, buscando ser mais sensível às pequenas coisas... aos pequenos gestos....Realmente, um anjo passou por aqui... e o seu nome? É Gabriel.